Internet “hemburresce”?
A internet pulveriza nossa atenção. Cada link que encontramos em um texto é um estímulo a mais para o DDA (Distúrbio de Déficit de Atenção) que há dentro da gente. E bastam alguns minutos para que meu browser fique repleto de abas abertas carregando sites sobre os quais não tenho a menor ideia de como fui parar neles, feito um turista acidental que perde seus mapas no meio do caminho.
Nicholas Carr, professor do MIT (Massachusetts Institute of Technology), escreveu em 2008 um artigo polêmico intitulado “O Google está nos fazendo estúpidos?”, no qual lançou a tese de que a internet (simbolizada pela sua ferramenta de buscas mais conhecida) está minando nossa capacidade cognitiva e reflexiva.
Oras, por que se preocupar em guardar certos dados no HD limitado de nossos cérebros, se o Google está aí como muleta do conhecimento, capaz de nos dar as respostas mais imediatas ao alcance de poucos cliques? E assim, segundo a visão crítica de Carr, estaríamos caminhando para um cenário de pessoas cada vez mais distraídas, incapazes de se concentrar na leitura de textos mais longos sem resistir à compulsão de apertar a tecla Page Down e pular alguns parágrafos.
Essa visão apocalíptica, segundo a qual o Google e a Web – com seus milhões de blogs, sites e mídias sociais – dispersam nossa atenção a ponto de pulverizar nosso foco, me fez recordar de “Nada Tanto Assim”, canção composta por Leoni e Bruno Fortunato, gravada pelo grupo Kid Abelha & Os Abóboras Selvagens em 1984. É curioso pensar que, por trás de um pop/rock aparentemente inofensivo e feito para tocar em FMs, há versos que refletem uma geração que parece encarar esta era de excesso de informações de modo cada vez mais superficial.
Só me concentro em apostilas
Coisa tão normal
Leio os roteiros de viagem
Enquanto rola o comercial
Conheço quase o mundo inteiro
Por cartão postal
Eu sei de quase tudo um pouco
E quase tudo mal
Eu tenho pressa
E tanta coisa me interessa
Mas nada tanto assim
Não deixa de ser significativo o fato de que este hit do Kid Abelha foi gravado há mais de 25 anos. Ou seja, muito antes da difusão da World Wide Web, do surgimento de dezenas de canais de TV por assinatura que zapeamos a cada minuto, e do lançamento de celulares e smartphones que tocam e vibram a qualquer momento, inclusive em meio a reuniões, palestras e demais atividades que deveriam merecer 100% da nossa atenção.
Que atire o primeiro mouse aquele que nunca interrompeu uma leitura para bisbilhotar a caixa de e-mails. Ou que nunca acessou o Twitter no meio de um evento, a fim de compartilhar suas impressões em tempo real e aproveitar para fuçar opiniões alheias. E aí, matutando a respeito da tese ciberapocalíptica de Nicholas Carr, penso: será que, de fato, o Google está tornando as pessoas mais estúpidas?
Lembro, por exemplo, que antes da Apple lançar o iOS 4.2, o iPad não era multitarefa. Ou seja, não permitia que vários programas fossem rodados ao mesmo tempo. O que parecia ser um defeito, no entanto, acabou virando qualidade para mim. Pois, graças a isso, consegui ler livros no iPad sem que meu foco se perdesse por causa de janelas do Messenger e avisos de chegada de novos e-mails pipocando na tela.
Em tempos nos quais a gente se habitua quase que automaticamente a escanear com os olhos textos mais longos, dando uma passada de olhos superficial num artigo ao invés de ler cada linha e cada parágrafo com a atenção necessária, confesso que pensei duas vezes antes de atualizar o sistema operacional do meu iPad. Porém, sucumbi e acabei instalando o novo OS.
Há ainda alguns focos de resistência em meu cérebro, contudo, para toda essa saraivada de informações simultâneas. Experimentei o RockMelt, por exemplo, e abandonei de cara a ideia de trocar o Firefox ou o Chrome pelo novo browser do momento.
Até eu, que já estou mais do que habituado a navegar com dezenas de abas abertas, me incomodei com a quantidade caudalosa de informações ao estilo #TudoAoMesmoTempoAgora do RockMelt. Que dá acesso direto, em painéis laterais, a updates de Twitter, Facebook, atualizações de feed e contatos que estejam online no FB. A sensação foi claustrofóbica, como se um tsunami de informações tivesse me engalfinhado por todos os lados. Obrigado, mas ainda prefiro checar as atualizações do Twitter ou das minhas assinaturas de RSS em janelas separadas de um Firefox ou Safari.
Nem para o céu, muito menos para o inferno. Não penso que o Google ou as novidades tecnológicas que permeiam cada vez mais o nosso cotidiano nos emburrecem. A provocação de Carr é válida por instigar reflexões sobre a atual era de informações. Porém, entendo que links, mais do que veículos de dispersão, são janelas que ampliam pontos de vista, aprofundando conhecimentos e trazendo novos dados sobre determinado assunto. Do mesmo modo, penso que os muitos sites que abro em diferentes abas do meu navegador distraem, mas também são fontes de inspiração e fomento de novas ideias. Enfim: como tudo na vida, precisamos descobrir como chegar ao equilíbrio entre o 8 e o 80, almejando chegar a algo próximo do 44. Ou do 42…
8 dezembro, 2010 as 21:49
Alexandre,
Parabéns pelo post e principalmente por fazer parte de um projeto que, à primeira vista, parece-me de muito futuro.
Abs,
Richard.
8 dezembro, 2010 as 21:57
Vou clicando, vou clicando, vou clicando, vou clicando é o novo vou varrendo, vou varrendo, vou varrendo, vou varrendo.
8 dezembro, 2010 as 21:59
Poxa… eu curto as coisas serem tudo ao mesmo tempo agora.
Eu tive a mesma reação que você teve ao RockMelt, mas tentei enxergar com outros olhos e pude encontrar uma aplicação para ele. Agora tenho usado ele, o Chrome e o Flock diariamente. Cada um para uma atividade diferente. O Firefox ainda tá atualizado e instalado, mas descansando. Será utilizado se for necessário um backup.
Enquanto a novidade for de graça serei early adopter. :))
8 dezembro, 2010 as 22:34
Ótimo post como sempre, Inagaki!
Numa conferência recente que tinha o contexto de regulação da Internet, encontrei o Vint Cerf, que disse que acha que a Internet é o espelho da sociedade. Quando a gente não gosta do que vê, não adianta querer mudar (ou quebrar) o espelho.
Teve um amigo brasileiro (realmente não lembro quem) que disse que a Internet é um amplificador. Se você é inteligente, as fontes para alimentar a base de conhecimento são infinitas. Agora, pra quem é burro, a Internet é um prato cheio de distrações e futilidades…
Juntando as duas analogias, penso que a Internet é um espelho amplificador. Que por sorte aproxima diferentes pessoas – espero que nesse jankenpô, a inteligência prevaleça
8 dezembro, 2010 as 22:48
O artigo de N. Carr, embora extenso (TL;DR), cuida apenas de indicar um desvio de comportamento de aquisição de conhecimento, usando como argumentos relatos de profissionais estabelecidos e bem sucedidos em suas respectivas áreas, desse ponto de vista, vale questionar o papel da internet e da velocidade da informação e de absorção e utilização dessa informação de maneira produtiva. Eu acredito que a velocidade da informação hoje é proporcional ao consumo de informação exigido nos dias de hoje. Minha maior preocupação é a de que os educadores ainda estão parados no tempo, utilizando técnicas ancestrais de ensino, mediação e supervisão do aprendizado, muitas vezes de modo relapso e irresponsável, reflexo da nossa sociedade e de pouca valorização e incentivo político ao ensino/aprendizado. Minha opinião é de que os jovens que estão vivendo hoje em dia o processo de formação é que precisam cuidar para reter algum conhecimento de maneira relevante e quem sabe, produtiva. E vejo a internet como uma muleta muitas vezes utilizada por essa classe de pessoas como fuga do esforço de aprendizagem, e para eles a indagação de N. Carr pode vir a se tornar verdadeira.
8 dezembro, 2010 as 22:51
É… A vida, o universo e tudo o mais mostrando o seu dinamismo. Essa música que você desenterou é uma descrição perfeita do sentimos (pelo menos eu sinto) a essas alturas do campeonato.
Obviamente, lembrei de uma citação ao ler este texto.
“Hoje a erudição acabou, a memória é a dos sistemas de armazenamento eletrônico. No futuro, a gente pagará a um sujeito para achar o que a gente quer nos bancos de dadoss, pois nem ir lá diretamente ou precisar disso a gente vai, a erudição acabou mesmo. Mas, graças a Deus, não acabou a inteligência.” João Ubaldo Ribeiro, A casa dos budas ditosos
O bacana é que o livro foi lançado em 1999, antes da popularização de sistemas de busca.
Pensei que a melhor forma de se concentrar era ir morar no meio da Amazonia.
Não deu certo. rs
Um abraço
8 dezembro, 2010 as 22:59
Excelente texto, Alexandre.
Às vezes me pego pensando no assunto e também acabo por ficar assustado com essas indagações. Será que a internet está me emburrecendo? Será que eu rendia muito mais antes de ficar mergulhado em gadgets e online quase 24hs por dia?
A respostá que me dou é sempre a mesma: vai de cada um. Vai de como você administra esse tempo “jogado fora” e no quão útil ele é para você. Enfim, acabo tendendo mais para a idéia exposta ao final do texto “…penso que os muitos sites que abro em diferentes abas do meu navegador distraem, mas também são fontes de inspiração e fomento de novas ideias.”. Me identifiquei muito com ela.
Creio que ter a consciência do mundo em que estamos nos metendo ao entrar de cabeça na internet é meio caminho andado para o equilíbrio. O problema estaria em se perder em meio a tanta informação achando que está tudo correndo perfeitamente bem e tentar, anos depois, correr atrás do prejuízo.
Valeu e parabéns a todos os envolvidos no portal.
8 dezembro, 2010 as 23:06
Na verdade, o que me irrita nessa quantidade gigantesca de informações que não para de chegar, é não conseguir absorvê-las por completo.
Tenho uma pilha com uns 20 e poucos livros aqui do meu lado, esperando um momento de calma para apreciá-los. Ao mesmo tempo, tenho uma lista enorme de episódios dos meus seriados favoritos, esperando para serem assistidos.
Minha pasta de favoritos com links marcados para “Ver Depois” não para de crescer, e, enquanto escrevo este comentário, já perdi um bocado de tweets interessantes.
Me incomoda saber que no meio desses tweets, links, seriados ou livros possa haver algo deveras interessante, que possa mudar minha vida ou pelo menos me ajudar a entender um pouco mais o mundo. Ou apenas me entreter.
Não me sinto burro por acompanhar várias coisas ao mesmo tempo. Nem creio que não memorizar tudo que aparece me torna mais burro. Mas me emputece saber que a cada segundo, estou perdendo algo.
8 dezembro, 2010 as 23:25
O sempre pensador Inagaki lança no seu artigo de estreia o dilema dos nossos dias: para que afundar num caudal de informações se permanecemos condenados à superfície? Mesmo assim, acredito que avançamos em relação a tempos anteriores, quando a informação era sovinamente administrada pelos papas editoriais.
8 dezembro, 2010 as 23:31
Primeiro gostaria de parabenizar pelo post, achei muito interessante mesmo.
Concordo que cada vez mais estamos tentando ser multi tasking e que o desvio de atenção tem se agravado com o tempo.
A Questão é que estamos sofrendo da “SINDROME DO TUDO E AGORA”
Precisamos estar conectadso, atualizados e estamos deixando de lado o principal, O TEMPO.
O que fazer já que o tempo esta ficando cada vez mais escasso.
Como potencializá-lo.
9 dezembro, 2010 as 2:40
A questão de ler textos longos eu tenho uma ideia desde a epoca que eu comecei a usar a internet, a uns 10 anos atrás. Pra mim ler textos longos num monitor cansa a vista. Algumas pessoas podem cansar menos, mas ai há varios fatores que influenciam. De qualquer modo, sempre pensei que textos para web deveriam ser escritos tendo isso em mente. Então as vezes não é questão de preguiça, mas sim de cansasso visual.
Tem gente que ainda diz que nossos filhos se adaptarão melhor a leitura nas telas brilhantes, mas os nossos filhos continuam sendo humanos, ninguem está passando por uma mutação.
9 dezembro, 2010 as 11:35
Sem dúvida essa é uma questão que sempre vem à tona. Deve ter acontecido isso em outras grandes ocasiões da humanidade. Grandes mudanças provocam reações diferentes em cada um de nós. Mas eu acho que prefiro uma explicação mais realista para essa famosa ameaça do cybermonstro. O cérebro humano tem bastante espaço aparentemente vazio para se adaptar mais uma vez, e se tornar mais eficiente, provavelmente mais uma vez também, aponto de encarar mais um “Melt”. É claro que não seremos mais os mesmos depois desta revolução tecnológica de comunicação e processamento de dados. Mas, nunca fomos os mesmos. Nunca seremos. Mudamos, sempre.
9 dezembro, 2010 as 14:39
Há tempos não leio um texto em blog que prenda atenção assim, até porque me vi descrita aqui com as minhas abinhas abertas e centenas de janelas do msn roubando atençar, sem contar as checadas no twitter durante a leitura.
Não ia comentar aqui, o primeiro impulso é de correr e lançar no o link no twitter, mas segurei o impulso e vim dizer que estou surpresa com o @techtudo e que não imaginei ficar encantada assim com algo que tivesse Globo envolvida, grande sacada para nos atingir, meros ratos de internet que vivemos de informações fragmentadas e superficiais…
Parabéns pelo texto Alê (sim, olha a intimidade, leio tanto sobre você e outros colunistas que foram elencados para o time que tenho até a sensação que o conheço haha)
BjOx e sucesso pra vc e pro pessoal do @techtudo,
Thay
10 dezembro, 2010 as 21:30
Sei q não tem nada a ver.
Mas sua foto ficou meio estranha.
Tenta não piscar o olho.
Acho que fica melhor.
10 fevereiro, 2011 as 19:00
Achei essa matéria muito interessante, também tenho um Blog, sobre tecnologia, ainda estou começando, mas com essa notícia aprendi algumas coisas importantes, e tive algumas idéias, Muito Obrigado.
14 março, 2011 as 23:05
Alexandre, entrevistei o Nicholas Carr quando ele esteve aqui no Brasil, você viu? http://www.naopossoevitar.com.br/2010/12/entrevista-com-nicholas-carr.html
Abraço, Rodolfo.